Rede de Sementes da Liberdade incidirá em defesa das sementes crioulas

Publiciado em 24/05/2019 as 15:05

A rede de agricultores/as familiares saiu fortalecida do Encontro Estadual de Sementes do Semiárido. Durante o evento, foi criado um novo espaço de articulação e incidência política pela preservação e incentivo à utilização das sementes crioulas e da agrobiodiversidade: A Rede de Sementes da Liberdade. A articulação envolverá agricultores/as, movimentos sociais, organizações não governamentais e pesquisadores/as.

“A semente dá autonomia, liberta e transforma as comunidades”, aponta o coordenador do Programa Sementes do Semiárido em Sergipe, Alex Federle, completando que as sementes crioulas são patrimônio cultural e cumprem papel importante na segurança alimentar da população, na conservação da diversidade biológica e na economia local.

Durante os dois dias de atividades, quarta e quinta-feira, 22 e 23 de maio, agricultores/as, pesquisadores/as, gestores/as, representantes de organizações e movimentos sociais que atuam no campo da agroecologia dialogaram e trocaram experiências sobre os avanços e dificuldades na utilização das sementes crioulas. O evento foi realizado pelo Programa Sementes do Semiárido no âmbito de Sergipe, executado pelo Centro Dom José Brandão de Castro (CDJBC), em parceria com a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) e apoio da Fundação Banco do Brasil (FBB).

Durante o encontro, também foram apresentados os resultados de testes de Transgenia em Sergipe. “Cerca de 59% das sementes protegias pelos guardiões e guardiãs de sementes estão contaminadas”, destacou Alex Federle. Ao todo, já foram realizados 60 testes pela equipe técnica do programa por meio do Centro Dom José Brandão de Castro: 40 deles utilizaram como referência agricultores/as que integram o programa e 20, sementes acompanhadas pelo Movimento Camponês Popular (MCP). Os testes mostraram ainda que as sementes guardadas pelo MCP, são 100% crioulas.

“É fundamental saber quais sementes estão contaminadas para garantir o controle de qualidade na hora de estocar. Com isso, nossa expectativa é de que as Casas de Sementes que estão sendo implementadas por meio do programa atinjam este patamar de expertise, de 100% de pureza”, avaliou Alex.

Para Leonardo Bichara do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), o trabalho de fomento ao uso de sementes crioulas está senso realizado de forma muito articulada no governo de Sergipe. “Isso para mim tem uma explicação: Sergipe é o estado que tem a maior concentração de assentamentos rurais e criou-se uma conexão muito forte entre estes assentamentos e a distribuição de sementes crioulas, ajudada pelas organizações e movimentos sociais. Este é um fator bastante encorajador”, apontou, acrescentando que Sergipe é um dos três do nordeste - ao lado de Alagoas e Paraíba – que possuem mecanismos legais que reconhece as sementes crioulas.

Contraponto à transgenia

O Brasil é o segundo maior produtor com sementes transgênicas do mundo, ficando apenas atrás dos Estados Unidos. Somente em 2019, já foram liberados mais de 190 princípios ativos para a produção de agrotóxicos. De acordo com o Greenpeace, a liberação de agrotóxicos para uso em lavouras brasileiras aumentou 42% nos primeiros quatro meses e, se comparado a 2010, a alta é de 922%.

“A cultura do veneno é muito nociva. Do ponto de vista nutricional, estamos colocando nas mesas das pessoas produtos que podem causar danos sérios à saúde”, destacou Leonardo Bichara, representante do FIDA. Para ele, o caminho é o fomento. “Precisamos incentivar na agricultura familiar uma produção 100% sustentável e 100% agroecológica. Daí a importância do fomento ao uso de sementes crioulas”, completou Bichara.

Alexandre Pires, da ASA Brasil, reforça a posição de Bichara. Para ele, é fundamental fomentar o uso de sementes crioulas e questionar o modelo de mercantilização das sementes. “Hoje o mercado mundial de sementes é controlado por três empresas multinacionais, que elaboram em laboratórios sementes que tem limites. Elas podem até ser resistentes a determinadas pragas, mas tem limites do ponto de vista biológico e nutricional”, apontou, destacando que, quando a indústria tenta padronizar e limitar a dois ou três tipos de sementes, reduz a população a oportunidade de acessar determinados nutrientes presentes nas demais espécies.

Apesar do momento de ameaça para nossa agrobiodiversidade, Alexandre acredita na perspectiva da resistência. “Na medida em que os/as agricultores/as vão tomando consciência da importância de preservar suas sementes, vão gerando pontos de resistência numa grande teia que a gente segue construindo”, apontou.

Mulheres semeadoras

Um destes pontos de resistência são as fortes mulheres camponesas. Elas tiveram uma mesa do evento exclusivamente para debater o protagonismo delas na discussão de sementes em Sergipe. Violência de gênero, machismo, exclusão social, LGBTfobia, empoderamento e feminismo foram alguns dos inúmeros tópicos abordados durante o debate, regado a muita música e reflexão.

“A mulher tem que ser resistente e persistente. Eu me considero uma mulher empoderada!”, resumiu Maria Luzinete Dória Silva, conhecida como Dona Netinha, dirigente da Associação de Mulheres Resgatando sua História, do povoado Lagoa da Volta, em Porto da Folha/SE.

“Uma agroecologia que mata, que violenta e que silencia diante da cultura do estupro, não pode ser chamada agroecologia” avaliou Daniela Bento, uma das facilitadoras da mesa. “Nós mulheres descobrimos a agricultura. Mas nós não fomos as detentoras da agricultura. Ela nos foi usurpada pelo patriarcado. Quando se teve a ideia de propriedade privada, a agricultura passou a ser uma propriedade dos homens, e a nós mulheres não sobrou nenhuma parte desta gleba, exceto a esfera doméstica”, contextualizou Daniela Bento.

Programa

Lançado em 2015, o programa de Sementes do Semiárido já construiu mais de mil casas e bancos de sementes, atendendo a pelo menos 20 mil famílias que vivem no semiárido.

Para ampliar a proposta de convivência com o Semiárido, a ASA lançou em 2015 um programa que reforça a cultura do estoque das sementes crioulas e busca resgatar seu uso e recuperar sua qualidade genética.

O Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido: Manejo da Agrobiodiversidade – Sementes do Semiárido tem sua concepção assentada no reforço das estratégias de resgate e valorização do patrimônio genético, através do fortalecimento das práticas já existentes de auto-organização comunitárias.

As famílias são apoiadas na sua prática de guardiães das sementes crioulas, no âmbito do programa, que garante a construção de uma casa coletiva, com 1 banco de sementes para cada comunidade atendida. Em Sergipe, o programa é executado pelo Centro Dom José Brandão de Castro (CDJBC), em parceria com a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e a Fundação Banco do Brasil (FBB).

Trocar para preservar

A troca de sementes entre os/as agricultores/as ajuda a garantir uma condição de manutenção das variedades de sementes. Além da troca de experiências e vivências. “As sementes guardam consigo um mundo de conhecimentos, avaliou Alexandre Pires, coordenador nacional da ASA, destacando que as sementes carregam em si uma perspectiva de identidade dos camponeses e camponesas e dos povos tradicionais.

Da Ascom