Saúde dos treinadores de futebol em jogo

Publiciado em 07/04/2019 as 14:09


Todo torcedor, em algum momento da vida, já “deu uma de técnico”. “Esse goleiro merece banco”, “precisa dar chance para a base” e tantos outros pitacos de quem, de longe, não conhece a complexidade que envolve a função de comandar dezenas de atletas, dividir metas com a comissão técnica, criar planejamento com dirigentes e ainda lidar com a torcida. A pressão do cargo e cobrança por resultados, ainda que natural no futebol, por vezes excede o limite que os profissionais podem suportar. E quando eles explodem, os efeitos vão além dos xingamentos ou gestos exagerados na beira do gramado. Em jogo, além de pontos e títulos, está a saúde dos treinadores.

O Fla-Flu é um jogo que historicamente testa o coração de rubro-negros e tricolores. O último clássico, em questão, mexeu fortemente com o do técnico do Flamengo, Abel Braga. O profissional sofreu uma arritmia e precisou sair do Maracanã de cadeira de rodas. Após cirurgia, o treinador voltou nesta semana aos trabalhos. Um susto, mas que levantou a discussão sobre como esses profissionais cuidam da saúde em meio a um trabalho com permanente julgamento público.

“O técnico é um líder solitário. Na hierarquia, ele assume muita responsabilidade e sofre pressãode dirigentes, atletas e torcida. Tem uma carga emocional altíssima, com ansiedade e estresse. Ele trabalha sempre por resultado e precisa mostrar que é bom todos os dias. Quando não consegue isso, ele explode de alguma maneira e o organismo fica mais predisposto a ter problemas clínicos”, afirmou a psicóloga esportiva, Rosângela Vieira Dornelas.

Em casos extremos, alguns profissionais podem sofrer com um distúrbio psíquico chamado Síndrome de Burnout. “Ela aparece em momentos de desgaste emocional, um esgotamento mental. O treinador precisa se preparar para o ambiente de pressão. Se não souber lidar com fatores internos, ele pode ter um comportamento distorcido, absorvendo problemas que prejudicam o coração”, explicou.

Na visão de Dornelas, ainda falta no Brasil uma atenção maior por parte dos clubes e dos próprios treinadores sobre o assunto. “Não há tantos trabalhos psicológicos desenvolvidos com os técnicos. Isso acontece mais com os atletas. Não temos essa cultura de analisar o lado mental dos gestores”, destacou.

A Folha de Pernambuco também ouviu os técnicos para descobrir como os profissionais lidam com a pressão. "Joguei futebol por mais de 20 anos e sei como funciona a cobrança. É preciso ter equilíbrio para filtrar as coisas do dia a dia”, afirmou o comandante do Náutico, Márcio Goiano. 

Guto Ferreira, atual técnico do Sport, já sentiu na pele os efeitos do estresse. Em 2014, quando estava na Ponte Preta, ele sofreu uma arritmia cardíaca que o tirou dos trabalhos por alguns dias. “Estava dormindo pouco, me alimentando mal. Sou muito ansioso também e faço terapia com um psicólogo para diminuir isso. Muitas vezes o treinador recebe uma pressão grande e precisa demonstrar força. Aí você segura muita coisa para não explodir, mas guarda no peito e uma hora a corda arrebenta”, apontou. “As pessoas precisam olhar não só o lado profissional, mas também humano. A pressão vem por diversos pontos. Às vezes, por falta de respaldo da direção do clube. Várias coisas nos desequilibram. Será que o treinador perde somente por não conseguir gerir os atletas ou por falta de apoio? É preciso debater isso”, completou.

Conhecido pelo temperamento explosivo à beira do gramado, o técnico Roberto Fernandes, ex-Náutico e Santa Cruz e atualmente no CRB, acredita que a pressão em cima dos profissionais da área é desproporcional. “É um cargo ingrato. Se você ganha, questionam o desempenho. Se perde, aí é ‘pau no lombo’. Gostaria de ser julgado com o mesmo nível de tolerância de outras profissões”, frisou, ressaltando fazer um acompanhamento mental com um coach. 

Ex-comandante do Sport, Eduardo Baptista já teve um “pico de estresse” quando desabafou após uma entrevista coletiva em 2017, na época no comando do Palmeiras, após questionar uma informação veiculada na imprensa. O treinador revelou o seu segredo para evitar mais “explosões” do tipo. “Não sou mais atleta, mas procuro me cuidar, fazendo caminhada e controlando a alimentação. Eu também tenho a sorte de ter uma pessoa equilibrada ao meu lado, minha esposa. Tem horas que ela percebe que estou extrapolando e me ajuda a ficar calmo”.