Diante de ataques contra a imprensa, Nobel da Paz vai para jornalistas

Publiciado em 08/10/2021 as 06:29

O prêmio Nobel da Paz de 2021 é concedido aos jornalistas Maria Ressa (Filipinas) e Dmitry Andreyevich Muratov (Rússia) "pelo esforço para proteger a liberdade de expressão, o que é uma pré-condição para democracia".

A escolha é também uma resposta contra a desinformação e repressão contra a liberdade de expressão, estratégia que passou a ser usada de forma deliberada por líderes populistas e que, na avaliação dos organizadores do prêmio, ameaça a paz, as democracias e a estabilidade das sociedades.

 

Oslo, assim, manda uma mensagem implícita a personalidades como Jair Bolsonaro, Vladimir Putin, Rodrigo Duterte ou Donald Trump sobre a importância da imprensa para a preservação do sistema democrático. Eles colocaram o jornalismo como inimigo, adotaram medidas para minar a credibilidade da imprensa, esvaziar a capacidade de atuação dos meios e estabeleceram canais próprios para poder divulgar suas mensagens, sem serem questionados.

A liberdade de imprensa e a capacidade de questionar a autoridade, afirma Oslo, é agora mais importante do que nunca, principalmente diante das ameaças que democracias enfrentam em diferentes partes do planeta.

Para os organizadores, jornalistas estão colocando sua própria segurança em risco para fornecer informações sobre os conflitos mais devastadores e regimes repressivos, além de sair em defesa da democracia.

O prêmio ainda envia um sinal sobre a importância do jornalismo independente, sobretudo em regimes repressivos e autoritários como China, Arábia Saudita e Belarus, além da própria situação na Rússia, em Mianmar ou na Turquia.

De acordo com a ONU, mais de mil jornalistas foram assassinados na última década. De cada dez anos, nove permaneceram impunes.

O Brasil tem sido alvo de questionamentos por parte de entidades internacionais por conta da situação da imprensa. A organização Artigo 19, por exemplo, apresentou um levantamento em que indica que 449 ataques foram realizados contra jornalistas nos dois primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro por parte do presidente, seus aliados e filhos.

Levantamentos também revelaram que, em seu primeiro ano de governo, Bolsonaro deu uma declaração falsa a cada quatro dias.

De fato, o prêmio é também um recado de apoio ao combate contra a desinformação. Estudos e levantamentos realizados em diferentes partes do mundo indicaram como o uso desse instrumento passou a ser decisivo em eleições, manipulando massas e criando tensão social.

O prêmio, assim, enfatiza a importância de fornecer informações confiáveis para permitir que cidadãos possam ter acesso às decisões dos governos e garantir que as autoridades sejam devidamente fiscalizadas.

A pandemia também explicitou a questão da desinformação. A OMS constatou que, nas redes sociais, 40% dos posts sobre a crise sanitária eram realizadas por robôs, com um elevado número de casos de disseminação de teorias de conspiração e ataques contra a ciência. Dados ainda revelaram que uma fake news circula seis vezes mais rápido que uma notícia da imprensa tradicional.

A desinformação não é uma novidade. Governos mantiveram por décadas operações de enormes proporções para censurar e manipular a opinião pública. Desta vez, seus artífices possuem um enorme arsenal tecnológico, com um poder inimaginável há apenas poucos anos.

No século 21, essas informações fabricadas de forma deliberada vieram seguidas por um ataque diário contra os meios de comunicação, numa estratégia orquestrada de deslegitimar qualquer questionamento.

Constrói-se a legitimidade de canais paralelos da realidade, enquanto pilares da democracia são abalados. A mentira, portanto, passa a ser um instrumento de poder.

Para Oslo, portanto, a luta contra a desinformação certamente passa por uma questão de tecnologia e de Justiça. Mas o uso deliberado da angústia de uma população e o grau de aceitação de tais "notícias" devem servir de alerta para que se compreenda a dimensão dos problemas que se enfrenta.

Na avaliação dos organizadores do prêmio, o antídoto também inclui fortalecer a imprensa.

 

 

Do UOL